bela tarde esta em que fecho num armário todos os meus desejos .
toma , gosto de dar .
tens que me ensinar.
e assim se conta mais uma história.

anthony and the johnsons - fistful of love

faço um brinde, hoje em prosa porque não me apetece respirar mais ar saturado :

-à conveniência destas alturas específicas para escrever, à conveniência de me ter convencionado como um projecto com chão de vidro e um tecto tão alto que a intocabilidade é a única defesa que tem contra a mentira que é.

- à velha consciência latente de perda de tempo , à recém-consciência da consciência concreta disso.

- à aceitação de que não temos força para que mudem estes sons e imagens que nos pesam nos ombros, que são saturação e repetição e que respiramos como ar pesado.

- à  certeza de que há um vento diferente, praias que se escondem avesso do mundo , nas intermitências do tempo , no fim do nosso medo.

sinto vento e sol nos lábios e sabem ao que eu quiser; desde o inicio que somos nós que criamos tudo, e essa é a parte mais chata de andar neste adiamento.

crustáceon-marché

lagosta gostosona
putona que eras, desculpai-me
que secavas ao sol,
eu que te procurava por quase todo o corpo
enfim olha,
só te vi depois,
mais ao fim do dia
deves-te lembrar,
que até me apresentaste o teu noivo.

o teu pai andava por aí de calções justos
tinha esse sério hábito
putosona lagostosa
ainda nao me disseste o que é que queres para o natal
lagostosa putosona
que quadro primaveril
este entrecosto iluminista
foda-se na quinta tenho dentista.

bichos sentados

123 é uma passagem
de quem aprendeu nesta viagem
a viver na terra no medo,
a quem lhe morreu desde cedo
essa invertida contagem


por de leves figuras
termos feito nossas imagens
sei que hoje já não sinto,
por mais que tente
não tolero silêncio
e sou meio vidente
e atraiçoei-me
vestido de mim
jogo que vem de pequeno
e dancei
sem saber porquê
tropecei
e desesperei
por já nem conseguir cair

diálogo a 3 algarismos

Enquanto dormias,
entre algarismos lineares
perdi-me em labirintos de uniformes
uniformes de dor

3- Desculpe C.a.p.t.a.i.n. mas não sei identificar esses simbolos-chave. Vou tentar uma leitura do sensor.

0-  Consegues ver a dor de causas?

3 -  0 é nevoeiro C.a.p.t.a.i.n.

0- Alimenta-me, consegues?

3 - A minha leitura diz que pedras são atiradas C.a.p.t.a.i.n.

2 - HEY 0 ...Nunca dormi mal uma única noite.

0- Sinto-me sozinho.

3 -  0 é denso nevoeiro

2- Adoro o que faço mas tu sabes que o que faço não ecoa pelos céus.

0 - Está frio aqui. Gostava que não existisse esta palavra.

3 - O que é isto C.a.p.t.a.i.n? Ajude-me, o meu coração está a falar!

medo

magoada ilusão
vive hoje sepultada
por loucura que rasgou
este orgulho sem razão
e por meu medo se criou

quero ficar para ver
se esta volta 
tem volta de retorno
onde não quero voltar
por não saber largar
por medo de avançar
sem nunca olhar para trás

agulhas

fugas por quebras de correntes
esguias hienas
agudas de cor
agulhas de dor

chamas fogazes de fugas cobardes
pontas de espadas e setas veladas
fogo de vista
escorrem-se razões
por esguias hienas
famintas de cor
famintas de dor

negro gelo a mim

ajoelhoado
quando aquela neve negra caiu
iluminada numa noite
sobre os teus ombros
estilhaços de gelo
congelados no tempo
congelados no ar

sentado no escuro 
só com palavras não se consegue falar
as minhas mãos
feridas de gelo
e só com palavras não consigo falar
esta neve negra
que me ilumina de dor
estática noite de sombra
congelada no tempo
congelada no ar
só com palavras
não consigo falar.

renascimento

ilusao de esperar de mim o que não sou
e agora só um monstro ficou
que transborda humanidade
e o feio amor de se ser óbvio

monstro
de não poder ser
esse rio de cores
que não soube nascer


monstro que caiu
e o mundo não viu

feios despojos
na lama de florir
feio amor
na busca de sentir

viagem

não é conveniência
esta expressão de indiferença
que trouxe dessa viagem
porque aqui a sós com o mundo
de cristal negro profundo
os meus olhos são imagem


não é defesa
esta expressão de tristeza
que trouxe dessa viagem
ao outro lado de nós


ao único lado de mim

medusa

que segredos são estes?
de mim para mim
que aprendi a confiar
febre de espaço
medusa negra
segredos de cristal
de mim para mim
vulneráveis serão
estes segredos se eu souber
como desligar estas máquinas
que não param
que não são
que não vão
que não hão

flecha de cristal
no meu peito negro.


sou todo segredos que são todo eu
que sou todo vocês
por insuficiência radial
do meu ponto de começo que teima em voltar
àquela noite
que é igual a este segredo

medusa de cristal

ai  e que nestes segredos nada vejo senão
nada , nada , nada e está tudo normal
todo habituação
segredos
como pão com torradas de manhã
sim...
acho que sim..
ontem ou hoje?
não me lembro mas acho que foi de manhã...
a ultima vez que me levantei..

que ponto de retorno
és este X com cruz de volta garantida
ao canto de mim , àquela noite
a estes segredos
que não sei começar a desnovelar
que pertencem assustadoramente a uma noite em concreto
que é igual a todas as que consigo viver
por insuficiência radial

ovo de colombo guardei entre dentes
uma noite de perdição
que para sempre fabricou
esta doce habituação
a não querer mais senão
aquilo que não doa
o que é que querem saber
é medo de morrer desde essa noite que é amanha e foi igual a todas até hoje
e os meus dentes ardem
e eu caio um a um
eu caio
um a um
o que é que querem saber?
estou aqui para ter medo de vos dizer  que qualquer coisa mais do que o que esperamos
não é nada senão morrer
acredito nisto? acreditam em mim? posso acreditar se acreditarem por mim...
isso não vai acontecer pois não ?
mas até parece simples...pelo menos assim...escrito..
não vai.
não sou eu que vou ter coragem de dizer mais do que o que queremos e podemos e guardamos e sabemos
que ainda temos tempo para correr mais um pouco ao lado dessa medusa de cobre e ouro que nos congelou nesse ponto de retorno , a que voltamos por habituação , a essa noite.

flechas negras no meu peito de cristal
um tiro de retorno
àquilo que nunca fui
sangue.

hei de acordar.

o jogo

não preciso de arte
para não ser ladrão
se de volta não dei
o que esperavam de mim
se o encontrasse no chão

desse ácido vital
não sou casca de limão
nem vivo nessa infusão
de sal e amor e paixão
porque isso aprendi
não encontrei no chão

intra

depois do vazio
o negro
um pêndulo balança
sobre o mar
roxo de chamas
roxo de chamas
roxo de chamas

se no centro
é equilíbrio
no centro toca o mar
e saltam faíscas
que são cortes
que são chamas
que se perdem no ar
que é sangue
que é roxo
que são gritos
que é dor
de não poder parar
metafísico-estelar
real
côr
aqui
eu.

ao fundo,
negro.
á volta,
névoa,
um mar de tudo
no meio do nada
no fim do tempo
no começo de mim.

TIC. TAC.

a morte

roda cristal
se que aquilo que sonhei
foi tempo demais sonhado
1 por ti
3 pelos meus olhos
porque 2 foi pecado
 roda cristal
por mim sonhado

trigo que anoitece
com o sol dourado
fim de tarde
de cristal lento
um eterno momento
se aqui não houve tempo
para te ver rodar
doce
cristal
lento.

roda cristal
se o tempo chegou

ao fundo do monte
e o trigo secou
e a lua lançou
esse frio que arde
por só haver eu
por não haver tempo

para voltar atrás
e dizer-te que sim
não me sei despedir
de ti
de mim


o tempo parou
o vento subiu
a noite caiu
ao fundo, negro sobre o monte e o céu
gelado.

em mim
o teu calor
o trigo ondula
leve o vento
de fim de tarde dourado
um eterno momento
longo sorriso
comprometido olhar
descanso enfim
sei que vais chegar.

olhar olhar

espuma de mar
que me leva devagar
se se troca um olhar
e eu
fujo
se finjo nem reparar
já me perdi demais
para poder sorrir
espuma de mar
que não me deixa mentir

roda (negra)

então és tu luz,
dizes-me...
e eu ,
sou convincente,
se finjo acreditar?

roda ,
se de negro desvendas o que de negro vestes para mim
roda,
se a luz cai e só ficamos nós
se cá dentro não há luar
e só há segredos
que não queremos abrir
até o dia voltar

então és tu luz,
dizes-me...
e eu ,
sou convincente,
se finjo acreditar?

roda (rodada)

deste desdém,
digo sem tirar nem pôr
que a quem o dar
não tenho ninguêm
que me dê de volta
o que não fique aquém
o que no meu olhar
consiga entrelaçar
uma só ponta solta

black light

máquinas que não conheci
a trabalhar dia e noite
os meu amigos
são um milhar de luzes
tweaking tweaking
is this for me?

o que é que queres saber?
são fábricas que ainda existem
e acordam de noite

- luzes
em cidades que sobreviveram ao apocalipse
tweaking
tweaking
is this for me?
nada é para mim assim como nada de mim é para vocês.
somewhere

tartaruga 3

entrei
sem ninguém á minha volta
sem perceber o que queria,
sozinho

não imaginas o mar não imaginas a minha cara
tanto querer
tanto querer
uma praia e nao imaginas como fui
vi
sei o que perdi
para sempre
eu.
tu?
nunca.